Textos de Levi Moisés

Musica, Biomusica e Motricidade

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A ARTE DE SER UM FACILITADOR

Existem educadores cujo propósito de suas atividades é especificamente o ensino musical em si; outros utilizam-se da música e das 'musicalidades' para outros fins, tais como uma contextualização temática e lúdica do ambiente coletivo ou para pré-dispor o ânimo do aluno à tranquilidade e concentração necessárias para reter informações ou mesmo engendrar processos criativos etc.

Esta distinção entre os possíveis perfis do educador em questão é fundamental para que possamos traçar metas práticas e objetivos claros em relação ao trabalho demandado.

De qualquer forma, e em todas as circunstâncias, permanece um elemento comum a todos os que executarão tal trabalho: o fato de que sua missão maior é serem Facilitadores.

O Facilitador é alguem que, no mínimo, tenta não atrapalhar. Essa colocação pode parecer risória, mas a experiência comprova sua efetividade e importância.

Para entendermos satisfatoriamente tal argumento, pode-nos ser útil usar, aqui, uma metáfora: a do rio que corre para o mar – se não lhe impusermos obstáculos, ele terá a seu favor uma forte tendência a alcançar seu objetivo.

Neste sentido, entretanto, é necessário um certo desapego em relação a alguns conceitos que podem limitar a funcionalidade desta analogia. Por exemplo: somos tentados a ver no aluno alguem que não possui esta 'tendência', ou, ao menos, que não possui uma tendência forte o bastante. A própria palavra 'aluno' sugere isso: sem luz. O termo professor também carrega um considerável peso: aquele que professa.

Apesar de estar havendo toda uma revolução conceitual - embasada em 'novos paradigmas' etc - em todas as ciências e saberes, é no campo das artes que podemos mais facilmente concretizá-la.

A expressão artística é uma tendência inerente e até mesmo biológica do ser humano, e está presente mesmo na pré-história, em períodos anteriores ao surgimento das civilizações organizadas. A música, em especial, sendo um aprimoramento das faculdades geradoras de som, está tão na raiz de nossa condição humana que não é de se espantar que o Grito Primal, o choro do bebe, anteceda mesmo sua primeira respiração, sendo um dos símbolos mais significativos do início de uma nova vida, logo, da própria vida. Da mesma forma, o término da vida de uma pessoa é geralmente marcado pelas famosas “últimas palavras”. Assim, não é novidade alguma a importância que damos, como seres humanos, ao som que produzimos, do início ao término de nossas vidas. Até mesmo na religião, vemos o mundo surgir da palavra, do verbo, isto é, do som. E isto, não apenas nas religiões judaico-cristãs, mas em diversas teogonias e mitologias espalhadas pelo globo terrestre.

Essas considerações nos remetem à uma realidade biológica. No nível biológico de nosso ser, não apenas nossos membros, como pés e mãos, produzem sons: até mesmo nossos órgãos e células estão fazendo Música. E tudo ao nosso redor está fazendo música também.

É notável o fato de que nosso ânimo e sentimentos possam facilitar ou dificultar nosso acesso aos campos perceptíveis desses universos sonoros. Vemos exemplos claros disso na poesia naturalista ou na literatura barroca. O poeta, animado por sentimentos de simpatia profunda por outra pessoa, é tomado por uma empatia cósmica, e é capaz de ouvir o vento cantando versos líricos enquanto faz vibrar varas de bambu, como se fossem cordas de uma lira etc; ouve-se águas murmurarem...

Essa agregação de significâncias ao movimento natural das coisas, ou mesmo ao movimento em si, ainda que muito subjetiva, demonstra um tendência inata, que, longe de ser adquirida, é, pelo contrário, reprimida, ao longo do processo de socialização pelo qual, de modo geral, todos somos submetidos. Observe-se, por exemplo, como uma criança bem pequena facilmente assusta-se ou acha engraçado determinados ruídos e sons disformes que ela não sabe o que são ou de onde vem.

A construção da personalidade psicologicamente madura, traz inúmeros e inegáveis benefícios; porém, não sem consolidar uma vasta gama de perdas. É um processo ao qual estamos familiarizados e ao qual nos dedicamos por reconhecermos sua enorme importância Cabe, entretanto, revisarmos os itens de nosso 'inventário', afim de vigiar e ponderar sobre os que queremos de fato manter e aprimorar, e aqueles que estamos inclinados a abandonar.

Neste ponto voltamos ao assunto inicial deste artigo.

Ser um facilitador musical demanda, primeiramente, não impor a aqueles com quem desenvolvemos nossas atividades, bloqueios e empecilhos que não sejam, a nosso ver, estritamente necessários.

É evidente que o aprendizado se desenvolve pelo aprimoramento, isto é, substituindo-se erros por acertos. Mas o que é o erro e o que é o acerto? E mais: até que ponto um erro pode ser tolerado e à partir de que ponto é saudável reprimi-lo? Quanto melhor um erro plenamente concretizado pode ser 'visualizado' e superado do que um erro prematuramente suprimido?

Nesse sentido, a experimentação ainda é um importante caminho de desenvolvimento, muitas vezes superando o caminho da manipulação estrita e rígida do que deve ou não ser feito.

O indivíduo que fortalece suas próprias inclinações intrínsecas, geralmente tem mais condições de purifica-las e de, com elas, concretizar seus objetivos do que aquele que abre mão delas, substituindo-as pelas de outra pessoa. Vale lembrar que uma pessoa pode ser guiada pelos parâmetros de outra pessoa por um certo tempo, mas não para sempre.

Concluímos, assim, nossa reflexão, sugerindo que o Educador procure sempre e incansavelmente identificar e minimizar os obstáculos que possam inibir essa tendência natural que todos os indivíduos trazem, indubitavelmente, em si próprios: tendência a serem 'seres musicais'.

E isto, em si, já é uma forma de arte.

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